terça-feira, 19 de outubro de 2010

3.1. O diretor no neo-realismo italiano

Desolada econômica e socialmente pela Guerra, a Itália reuniu um número significativo de pensadores e realizadores engajados a um Cinema de aproximação à realidade que conviviam, rompendo com a estabelecida “arte industrial” e estimulando a reordenação de seu ofício como uma ação voltada ao homem, à consciência social.

Na Itália do imediato pós-guerra, ou na França, os últimos anos cinqüenta, a única solução para tornar competitivo o cinema nacional, que não poderia sê-lo empregando as mesmas armas do norte-americano, que tinha que enfrentar, era encontrar novos sistemas de rodagem e, em compensação, outorgar às películas [...] o tom de verdade imediata que faltava àquela. (BARBÁCHANO, 1979, p.76)

Sem meios de expressão à sua disposição, uma vez que o governo controlava as manifestações artísticas de modo a evitar possíveis críticas e rebuliços sociais, os novos cineastas defendiam um Cinema caracteristicamente italiano, que compreendesse e retratasse seu cotidiano, suas lutas e seu povo. Com esse pensamento, o cinema que estava por vir deveria ser um instrumento de denúncia e de relação com a realidade flagrante das cidades e dos campos. A câmera se voltaria à atualidade, e os protagonistas dos filmes seriam nada menos que o italiano típico, que sofria com as conseqüências da Guerra recém-terminada, numa proposta alternativa à encenação e ao star system americanos.

Os meios de realização eram aqueles que os criadores dispunham: os cenários naturais ou de baixíssimo custo, pessoas comuns atuando como atores, não havia uma segmentação rígida da equipe por funções e os investimentos partiam de cooperativas ou do bolso do realizador, caso mais comum, que também penava junto à pobreza geral do país.

A finalidade pretendida pelos comprometidos ao neo-realismo italiano - como esse estilo de produção cinematográfica foi denominado - era a de ruptura com a tradição do cinema visando de uma arte independente de influências externas. Até a linguagem teria de ser repensada para uma renovação que a tornasse mais adequada aos temas do estilo, que figuravam entre desemprego (Ladrão de Bicicleta, Vittorio de Sica, 1948), abandono (Umberto D., Vittorio de Sica, 1951), as condições do campo, as cicatrizes da guerra e do fascismo (Roma, Cidade Aberta e Paisá, Roberto Rossellini, 1945 e 1946), entre outros problemas que atingiam a população italiana. Os diálogos, pois, deveriam ser simples, e não eram usados efeitos como elipses para garantir a compreensão da situação apresentada; a câmera funcionaria como um aparelho de registro simples, captando a representação que deveria retratar com uma fidelidade pura, sem truques ou vícios de interpretação, que poderia muitas vezes recorrer a mise-en-scène improvisada.

A crítica à decupagem clássica faz-se pelo aspecto manipulador e pela articulação de um mundo imaginário que aliena o espectador de sua realidade. Se a decupagem clássica constitui uma base eficiente para um trabalho de construção do falso que “parece real”, o neo-realismo propõe-se a substituir tal artifício pelo trabalho de obtenção da imagem que, além de parecer, procura ser real. (XAVIER, 1977, p.60)

O discurso dos filmes deste período atuava como uma voz iconoclasta, intimando o público à descoberta de uma nova função da arte que, contrariamente à idéia de que o Cinema é uma duplicata romântica da realidade, seria um alerta lúcido sobre a complexidade do que passava fora das telas, gerando reflexões e contestações relacionadas principalmente à ordem política. Assim, o papel do realizador comprometido ao estilo neo-realista italiano se voltava às perspectivas artísticas de aliança com o público, sempre na tentativa de cativá-lo, em detrimento da aura mágica dos filmes de ficção importados dos EUA, e à formação de um meio de comunicação que amparasse necessidades políticas e sociais, como a revelação das péssimas condições da população.

“Para mim”, escreveu Rossellini, “o neo-realismo é sobretudo uma posição moral, a maior curiosidade pelos os indivíduos. Uma necessidade que é natural do homem moderno de dizer as coisas como elas são... de ver com humildade os homens como eles são, sem recorrer a estratagemas para inventar o extraordinário... Um desejo, enfim, de esclarecer-se a si mesmo... na busca de atingir a inteligência das coisas”. (SERCEAU in MAGNY, 1982, p.63, tradução nossa).

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