terça-feira, 19 de outubro de 2010

Introdução

Este trabalho é destinado ao espectador brasileiro.

Como vários outros indivíduos que compõem audiências em todo mundo, o espectador brasileiro não é essencialmente um cinéfilo e aprecia, geral e principalmente, títulos estrangeiros. Senta-se na poltrona de uma sala de exibição e mergulha no ritual cinematográfico. Apagam-se as luzes e ilumina-se a tela. A história não precisa ser necessariamente empolgante ou lhe cativar. Basta divertí-lo[1].

Este trabalho tentará divertí-lo, mas em primeiro plano, buscará fazê-lo refletir.

O objetivo central desse estudo é demonstrar que a temática de referência à inclusão do autor e de seu ofício na obra é um desejo recorrente da Arte, como uma maneira de comunicar ao observador sobre a complexidade do procedimento e do produto artístico. Para embasar essa hipótese, recorremos a uma apreciação sobre a carga reflexiva contida na História da Pintura (uma vez que esta arte é uma das expressões que fundamentaram a imagem cinematográfica) e aos indícios antiilusionistas atuantes no cinema, que serão principalmente ilustrados pela análise de três obras cinematográficas que se utilizam da metalinguagem e da presença de seu diretor em seu ofício.

Optou-se pela apresentação do cinema narrativo ficcional como exemplificação da ocorrência da arte reflexiva pela maior popularidade que possui frente ao cinema documentário (que também apresenta sinais de metalinguagem em muitos casos) e ao cinema experimental. Metz considera que o cinema de ficção é mais bem aceito pelo público porque

desencadeia no espectador um processo ao mesmo tempo perceptivo e afetivo de “participação” (não nos entediamos quase nunca no cinema), conquista de imediato uma espécie de credibilidade – não é total, é claro, mas mais forte do que em outras áreas, às vezes muito viva no absoluto [...] Este “ar de realidade”, este domínio tão direto sobre a percepção têm o poder de deslocar multidões... (METZ, 1977, pp. 16-17)

Por isso, a busca pela representação mimética da realidade é sempre abordada ao longo do estudo, devido ao encantamento que cria no espectador, e porque balanceia a questão da exposição dos métodos constituintes do fazer cinematográfico.

O primeiro capítulo é dedicado a compreensão e identificação do criador da obra e sua inclusão como personagem e a de seu ofício pela trajetória da História da Arte - com foco sobre a Pintura[2] - que puderam, de alguma maneira, influir sobre o cinema de temática reflexiva. Além disso, é abordada a necessidade/tendência da arte, principalmente aquela produzida no Ocidente, em se manter vinculada à noção de realidade como essência a ser retratada. Essa abordagem, que parte da Pré-História e percorre escolas e convergências artísticas de relevância ao assunto, oferece uma referência temática recorrente às artes, inclusive ao cinema, que se relacionará com o tema principal do trabalho.

O segundo capítulo revela o esforço dos pioneiros e dos exploradores da recém-nascida linguagem cinematográfica, em prol da utilização maximizada das particularidades do processo cinematográfico durante os anos de institucionalização do cinema narrativo como corrente representativa. Tal qual o primeiro capítulo, é tratada a questão da verossimilhança da imagem como conceito básico de receptividade. A abordagem aproximada do produto cinematográfico norte-americano quando tratado o cinema clássico narrativo e sua trajetória pelo século XX se dá pela volumosa oferta de referências científicas, pela intimidade com que o espectador brasileiro possui com essa cinematografia (o que beneficia seu acesso às obras, cineastas e teóricos citados para uma possível pesquisa posterior à leitura deste trabalho), e por uma ciência mínima presumível do argumento deste capítulo, uma que já foi citada a proximidade do espectador brasileiro com a cinematografia estadunidense.

O terceiro capítulo faz alusão, através de uma contextualização simples, de mérito informativo, a importância de escolas e grupos artísticos de discordância ou questionamento do cinema clássico narrativo para geração de novas leituras sobre o cinema. Para tanto, são explicados os elementos básicos de compreensão de tal atitude, como “política dos autores”, diretamente ligada à questão do nome do diretor como referência qualitativa de sua obra. Juntos, os conceitos relacionam-se às deficiências do sistema contestado, as quais também são citadas.

Tanto o segundo quanto o terceiro capítulo refletem sobre o papel do diretor de cinema enquanto não se torna agente direto da narrativa – o personagem, propriamente dito – e o caminho voltado ao ponto de sua afirmação também como figura na tela. Atuando analogamente ao regente de uma orquestra, que domina a linguagem que dita aos instrumentos que servem a um organismo maior, busca-se a exposição da faceta polivalente dos diretores citados para que seja trazido a público o legado das habilidades específicas de cada um.

O quarto e derradeiro capítulo relembra a tendência dos veículos de comunicação em desvelar o sujeito de enunciação, estratégia que engloba o cinema de auto-referência e de metalinguagem. Sucintamente, são comentados três títulos que ilustram essa tendência e revelam uma leitura alternativa à interpretação comum dos filmes de ficção, pertencentes a diferentes origens: da França, A Noite Americana (La Nuit Americaine, François Truffaut, 1973); dos Estados Unidos, Dirigindo no Escuro (Hollywood Ending, Woody Allen, 2002); do Japão, Glória ao Cineasta (Kantoku Banzai, Takeshi Kitano, 2007; no Brasil, só exibido em festivais e mostras). Desta maneira, evita-se que essa tendência reflexiva pareça um fenômeno pontual e a insere numa manifestação global.

É feita propositadamente uma revisão do conteúdo assimilado na grade disciplinar acadêmica, sem preciosismos do idioma ou termos próprios do cinema, para atingir um objetivo particular: expor ao espectador comum, ao final do trabalho, uma nova leitura sobre filmes, a qual amplia o prazer da recepção cinematográfica. Essa nova leitura será apoiada na compreensão de elementos reflexivos nos filmes de ficção que incluem o personagem “diretor de cinema”.




[1] Segundo pesquisa do Sindicato das Empresas Distribuidoras Cinematográficas do Município do Rio de Janeiro, as sensações relacionadas pelo espectador brasileiro à experiência cinematográfica são romantismo, descontração e relaxamento, proporcionando lazer, diversão e entretenimento. SINDICATO DAS EMPRESAS DISTRIBUIDORAS CINEMATOGRÁFICAS DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, 2008, p.88.

[2] “Pintura”, com inicial maiúscula, é referência à expressão artística, enquanto “pintura”, com inicial minúscula remete ao produto da Pintura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário