terça-feira, 19 de outubro de 2010

CONCLUSÃO

O filme é a arte de ver. Ainda que o seu realismo seja, por vezes, uma fuga da realidade, o realismo, em última análise, é sempre revolucionário.

Na luta pela verdade, mostrar os dados é sempre a arma decisiva. Na luta em defesa do homem, a melhor propaganda consiste em mostrar o homem.

(Bela Balázs)

Este trabalho buscou enfatizar a presença do criador em sua própria obra, fosse por meios aparentemente invisíveis, como a indicação do estilo próprio mesmo através de um código estabelecido, fosse por meios nítidos, como sua presença material enquanto personagem.

A Arte, como pudemos acompanhar, vivenciou uma tensão constante entre seu caráter ilusionista e suas possibilidades reflexivas. Na Pintura, o artista pós-Renascimento viu-se emoldurado pelo aspecto canônico de impressão da realidade:

A pintura viu-se esquartejada entre duas aspirações: uma propriedade estética – a expressão das realidades espirituais em que o modelo se acha transcendido pelo simbolismo das formas –, e outra, esta não mais que um desejo puramente psicológico de substituir o mundo exterior pelo seu duplo. Esta necessidade de ilusão, alcançando rapidamente a sua própria satisfação, devorou pouco a pouco as artes plásticas. Porém, tendo a perspectiva resolvido o problema das formas, mas não o do movimento, era natural que o realismo se prolongasse numa busca da expressão dramática no instante, espécie de quarta dimensão psíquica capaz de sugerir a vida na imobilidade torturada da arte barroca.

É claro que os grandes artistas sempre conseguiram a síntese dessas duas tendências: hierarquizaram-nas, dominando a realidade e absorvendo-a na arte. Acontece, porém, que nos achamos em face de dois fenômenos essencialmente diferentes, os quais uma crítica objetiva precisa saber dissociar, a fim de compreender a evolução pictórica. (XAVIER, 2003, p.123)

É incrível constatar que passamos milênios na busca de um método figurativo que lidere a impressão de realidade. Depois da pintura rupestre e da arte medieval, a arte renascentista acentuou a preocupação pelas possibilidades de mímese, procurando métodos de trabalho e técnicas científicas para chegar a esse fim. Chegamos à fotografia e nela entregamos a confiança de um modo de representação neutro, afinal, sua reprodução era mecânica, não sofria a interferência da mão de um artista, com seus gostos, preferências e maneirismos.

Apreciadas as considerações sobre a busca da representação cada vez mais aproximada do mundo aparente, podemos concluir que a arte e o cinema apóiam os métodos de ilusão do espectador, que, por exemplo, continua a se envolver com o espetáculo cinematográfico até hoje: quando nos sentamos na poltrona de uma sala escura, desligamo-nos da ordem do mundo que vive. No entanto, existem esforços no intuito de diminuir a intensidade dessa ilusão.

Com o advento do cinema, seu sucessor técnico, este foi alçado à condição de meio ideal à representação da realidade. Seu produto, na tela, ganhava vida, recriava a profundidade de campo análoga à visão humana e, assim, funcionava perfeitamente, pois tinha como alicerce a fotografia, que era objetiva, e eliminava a interferência do homem.

A eliminação do traço humano tornou-se insustentável para a ideologia da modernidade e da pós-modernidade, interessadas especialmente nas relações entre o homem e o universo a seu redor. O artista teima em usar seu meio como ferramenta de transformação desse universo, de reconectar o espectador ao mundo da verdade através da maturidade artística que só é possível com a destruição do respeito romântico pela ficção. Para os diretores de A noite americana, Dirigindo no escuro e Glória ao Cineasta, a verdade é que o cinema é uma inverdade.

Ao ver a si próprio, não como um escravo da Natureza, e sim como um mestre da ficção, o artista auto-reflexivo lança dúvidas sobre o pressuposto básico da arte mimética: o que existe de realidade anterior sobre a qual a obra de arte deve ser modelada. A passagem contém uma comparação implícita entre o artista e Deus, onipotente sobre sua criação. Se o artista é Deus, não pode ser limitar à vida como ela é (Realidade) ou às histórias tal como foram contadas (Gênero) ou mesmo à Probabilidade ou Verossimilhança nebulosas. (STAM, 1981, p.55)

Machado (2007, p.73), que analisou As Meninas, de Velázquez, cria um elo coincidente da importância da autoria na Pintura e no cinema, quando pondera que “de qualquer forma, não se pode entender a imagem figurativa como um discurso se não entendemos, ao mesmo tempo, a posição de que o destinatário ocupa na sua estrutura”.

Portanto, para a quebra da ilusão do espectador, o qual se perde do mundo material, existe uma saída: o cinema de reflexividade, canal para o diretor expressar-se livremente e mostrar ao espectador que ele é manipulado por um jogo de iludir-se e desiludir-se, que é o cinema. É necessário ter em vista, de qualquer modo, que o cinema de auto-referência ainda é cinema de ficção e cabe ao espectador crer nele ou não.


Nenhum comentário:

Postar um comentário