terça-feira, 19 de outubro de 2010

4.1 Referências e indícios de reflexividade na história do cinema clássico narrativo

Ainda como atração em vaudevilles, a presença do apresentador do enredo foi um exemplo de apoio narrativo ao texto cinematográfico e de quebra da impressão do “realismo” do cinema: quando o showman explica parte da história, ele torna claro que o enredo já se desenvolveu e que não é na tela que os fatos ganham vida pela primeira vez. Avisa, ainda que não explicitamente, que o filmado é um processo passado, e a instantaneidade das ações do filme é um conceito falso.

Em 1901, James Williamson filma The big Swallow, historieta de um cineasta que filma acidentalmente um passante que não quer ser fotografado (primeiro plano). Nervoso, o passante se aproxima da câmera, com a boca aberta, e num segundo plano, ele está engolindo o cineasta. Num terceiro plano, a câmera é mastigada pelo homem, que explode numa gargalhada[1].

Em 1909, o quadrinista Winsor McCay criou um dos primeiro desenhos animados, Gertie, o dinossauro. No filme, que mescla live action e animação, para comprovar uma aposta de que poderia trazer a vida o animal extinto há milhares de anos, o diretor desenhou-se repetidamente num cenário junto a um dinossauro fêmea, Gertie, que ocasionalmente obedecia os mandamentos de seu criador quando seqüenciados os desenhos. De fato, são as ordens de McCay, corporificado por seu próprio desenho, é quem dita a narratividade do conjunto. Não é preciso dizer se McCay ganhou não a aposta.

Já em 1916, Charles Chaplin filma a comédia Behind the screen, no qual interpreta um assistente de decorador de um estúdio de filmagens. Suas funções implicam em organizar os cenários, tarefa que presta com confusão, evidenciando a artificialidade da cenografia quando carrega desajeitadamente uma pilastra decorativa.

Em O homem das novidades (The cameraman, Edward Sedgwick, 1928), Buster Keaton é um cinegrafista documental que trabalha para a MGM. A câmera é a extensão do seu corpo, que compartilha os momentos de tensão na busca por um furo de reportagem.

O advento do som trouxe a reiteração de que o cinema é uma impressão da realidade: os personagens são tão reais que até falam. Através deste avanço, o gênero musical se afirmou com um dos mais populares justamente pela fascinação que provocavam nas massas. Em 1937, Nasce uma estrela (A Star is Born, William A. Wellman e Jack Conway) toma as telas com a história do ingresso de uma atriz e cantora ao showbusiness e em 1952, Cantando na chuva (Singin’ in the rain, Stanley Donen e Gene Kelly) revela as mudanças ocorridas na cadeia cinematográfica na transição do cinema mudo ao cinema sonoro.

O musical incorporou, embora passe desapercebido a grande parte do público, o elemento extra-diegético, ou seja, aquele que não tem relação intrínseca com a o mundo criado pela narrativa. Existe um pequeno índice de auto-consciência do código cinematográfico quando os componentes extra-diegéticos assumem posição de destaque: quando o personagem encena/dança/canta um música que não seria possível de ser produzida pelos meios diegéticos e quando interpreta as canções olhando para a câmera, rompendo com a “janela de observação” e assumindo a presença do espectador.

Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, Billy Wilder, 1950) narra a convivência entre Joe Gillis (William Holden), um roteirista mal sucedido, com uma atriz decadente que brilhou no cinema mudo, Norma Desmond (Gloria Swanson). É um retrato azedo da indústria cinematográfica por causa da propriedade com que analisa os excessos do star system, que prioriza a beleza e a fama momentânea.

Outras produções se envolveram com a representação do mundo cinematográfico em seu enredo e são inúmeras as referências que se desenvolvem até os dias de hoje.



[1] COSTA in MASCARELLO, 2006, p.30.

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