terça-feira, 19 de outubro de 2010

CAPÍTULO 4: O “PAPEL” DO DIRETOR NO CINEMA REFLEXIVO.

Como vimos no primeiro capítulo, a Pintura já apresentava sugestões de enunciação:

As técnicas figurativas do quattrocento constituíam constutíam um sistema figurativo que permitia um certo tipo de enunciação, mas o submete a uma transformação característica, ao apresentá-lo como a materialização do olhar de um sujeito. O discurso pictórico não é apenas um discurso que usa códigos figurativos. (DAYAN in RAMOS, 2005a, p.329)

Com base na filosofia e na psicologia, o cinema de reflexividade (ou auto-referencialidade, metaficção e antiilusionismo[1]) é a capacidade dae o cinema tomar a si mesmo – enquanto meio e linguagem – como objeto.

Herdado da ciência heráldica, que diz respeito à referências de brasões inseridos em outros brasões, o cinema de reflexividade é uma construção em abismo[2], semelhante a um labirinto de imagens que refletem umas as outras (filme dentro do filme), possui uma estrutura de variados níveis de leitura.

Dentro do cinema de metalinguagem e de reflexão, ou seja, daquele que toma si próprio por objeto de discurso, o primeiro nível de leitura do cinema reflexivo é o filme já criado, a obra para a qual o espectador destina sua atenção em primeiro momento.

O segundo nível de leitura é o filme que espectador descobre enquanto destina a atenção à primeira leitura e que ainda está sendo construído; é um recorte narrativo que influencia o fluxo narrativo de primeira leitura.

O cinema narrativo de auto-referência aqui abordado se apresenta como um discurso conciliatório entre o caráter ilusionista da narrativa, apoiada na diegese e como o código, vai ser empregado nesse sentido na coerência espaço-temporal, nas interpretações, nos cenários montados etc., e o caráter revelatório dos mecanismos do código, que ressalta as artificialidades de todo conjunto através da desmistificação do cinema como mundo autônomo. O discurso deslocado ao específico cinematográfico tem o poder de indagar até onde é legítimo recriá-lo, uma vez que, para tanto, lançará mão de recursos artificiais conciliados a um índice mínimo de autenticidade[3], o que significa “fazer um espectro da verdade por meios de enganação”.

Podemos identificar, desde seu princípio, o mecanismo revelatório do cinema como conjunto de realidades falsas, ainda que bem arranjadas de modo a parecerem-se naturais. Não exclusivo do cinema moderno e pós-moderno, seus antecedentes históricos vêm apresentando marcas da reflexividade como um indicativo de que o universo cinematográfico é um organismo rico e digno de ser representado pela arte. E mesmo priorizando a diegese como força expressiva de reconstituição da realidade, o cinema clássico narrativo não excluiu ocorrências reflexivas em suas obras.

A seguir, listaremos um conjunto de obras significativas do cinema clássico narrativo, de fácil acesso e de conveniente ciência para que seja mais bem compreendida a exposição do dispositivo cinematográfico como tema do cinema metalingüístico.

Mais adiante, será a explicada a tendência do cinema pós-clássico de refletir em sua narrativa a existência do diretor de cinema como personagem de natureza complexa, e as motivações da realização do cinema antiilusionista, instrumento de expressão das reais impressões do diretor.



[1] Idem, 2003, p.174

[2] METZ, 1977, p. 217.

[3] BEZERRA, 2007, 202.

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